Coloquei o meu player pra tocar aleatoriamente. Começou um solo de algum desses instrumentos de corda de aço. Acho que era um bandolim, ou talvez um cavaquinho, sei lá. Doeu a alma de tão triste. Uma voz masculina começou a cantar. É claro que eu conhecia aquela canção, e já havia ouvido por diversas vezes. Ouvi até ao vivo. Mas desta vez foi diferente.
A música me levou ao dia, salvo engano, 19 de Janeiro de 2005.
Praça do Espaço Cultural. Circuito Cultural Banco do Brasil. No caderno Arte e Vida do Jornal do Tocantins anunciava show de Alceu Valença às 22:00.
Como de costume, solitário, saí de Paraíso e fui ver o artista nacional. Cheguei no local por volta das 20:00 pra pegar um lugar melhor. Já estava lotado.
De repente, o locutor do evento anuncia Dorivã, o "Passarim do Jalapão". A luz se apaga. O canhão seguidor foca o cantor. O primeiro acorde é tocado. Começou cantar uma ciranda, que não me recordo qual. A leveza da voz combinava com as dissonâncias da melodia. E a cada música eu torcia para que o show não terminasse. Simplesmente fenomenal.
Músicas de letras fortes e ritmos contagiantes, é a marca registrada deste artista maravilhoso.
O show terminou e começou Alceu. Pra falar a verdade, preferi o Passarim. E ainda prefiro.
Corri imediatamente na mocinha que vendia CD e comprei um exemplar.
Me frustrei por que naquele dia porque não consegui um atógrafo.
Dois anos depois fomos colegas quando participamos como jurados de um festival aqui em Paraíso.
O encontro rendeu um dia inteiro de roda de viola na minha casa.
De lá pra cá, nos tornamos amigos.
Dorivã pelo próprio Dorivã saiu assim:
PARTO DE MIM
As vezes é preciso se sentir no mundo de Sofia filosofando a própria teimosia...
Era julho da era de 61 nem sei a que horas do século passado.
só sei que os martelos e as picaretas zinian nas catras de cristal do velho itaporé e vala-me-deus.
E eu, me vendo exprimido, naquele vão de pernas, sobre uma tarimba de varas de cachimbeiro, quando de repente ziniu nos tímpanos daquela santa parteira, e das vizinhas futriqueira, O choro espocado e infarento daquele menino birrento que insistia em berrar grave e desafinado competindo com as sinaladas da catedral de Dom jaime
e já tava até avisado no invisível, que era uma cria injeitada e de mãe cendera, e que o fundo duma rede rasgada e encardida e de beiradas caidas sem bicos e sem varanda assim o esperava.
E lá se vai o primeiro esfregar dos zoi naquela rica e cintilante claridade da bengala de Deus, e de santa luzia, que com sua luz lilás apontada pra moleira mole mole mole moleira mole daquele pobre rebento.Que era apenas mais um mais um a apontar a cabeça nesse vão de mundo.
E ali! Nem parente e nem aderente só o foguin de uma lamparina de pavio curto queimando o pouquinho do querosene ainda lhe restava
sorte que ainda deu para alumiar os primeiro fulguejar daquele espoco de teimosia
E assim foi traduzido o milagre divinal! que Só as cenderas as cenderas traz o merecido choro solitário desse momento angelical
Isso era cristalandia da charqueada do vala me Deus do itaporé e da baixa da égua
E la se vai esse menino chorando e botando força botando força botando força até descobri que era mais fácil botar força cantando cantando cantando cantando que continuar chorando... caaaanta passarim
Hoje, Dorivã divulga o seu mais novo trabalho. O CD Taquarulua, lançado ano passado em Taquaruçu, traz canções inéditas, e algumas delas em parcerias com compositores regionais, como Tião Pinheiro e Chiquinho Chokolate.
Hoje, já passados cinco anos daquele show em palmas, por ironia do destino, tenho o Dorivã como amigo pessoal, e posso desfrutar de sua presença quase que semanalmente.
A forma como canta, encanta quem ouve e faz chorar a alma de quem aprecia.
Aliás, as músicas do Passarim não servem para serem escutadas. Servem, de verdade, para serem absorvidas.
Viva o Dorivã! Viva o Passarim! Viva a Música Tocantinense!
PS.: A música que me referi no começo do artigo é "Passarim Seresteiro", a última faixa do CD Taquarulua.
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